terça-feira, 2 de setembro de 2014

4#

  "Àqueles que creem em Deus, não é preciso explicação. Aos que não creem, nenhuma explicação será suficiente."


4# Jennifer Jones, A Canção de Bernadette



Após receber o óscar de melhor atriz por A Canção de Bernadette, Jennifer Jones pediu desculpas a sua amiga Ingrid Bergman que concorria no mesmo ano por Por Quem os sinos Dobram e que talvez fosse a favorita daquele ano, visto que também protagonizou Casablanca, o vencedor do óscar de melhor filme. Bergman respondeu que a Bernadette de Jones era melhor do que sua Maria, e assim, no ano seguinte, recebeu o óscar por A Meia Luz das mãos da amiga. Mas a verdade é que nem uma nem outra performance de Bergman chega aos pés do que Jones fez em A Canção de Bernadette. Mesmo esplendorosa e inesquecível em sua não indicada performance em Casablanca, Jones ainda continua sendo a minha escolhida na categoria de melhor atriz em 1943 e uma das minhas favoritas da década de 40.

O mais inacreditável de tudo é que A Canção de Bernadette foi o filme de estreia de Jennifer Jones - nome artístico de Phylis Lee Isley, que demorou a ser notada por algum produtor, até que David O. Selznick se surpreendeu com um teste em que a própria deu como fracassado e que decidiu prepará-la para o estrelato indicando-a para viver Bernadette Soubirous no filme sobre sua vida. Henry King, designado a dirigir esta biografia, ficou embasbacado com o teste de Jones e dispensou centenas de atrizes que cobiçavam o papel. Jennifer Jones agarrou a sorte que conspirava a seu favor e se transformou completamente em Bernadette - famosa religiosa francesa que defendeu veemente a autenticidade das aparições de Nossa Senhora para ela em uma gruta de sua interiorana cidade natal. Sendo um filme biográfico e religioso, A Canção de Bernadette poderia facilmente cair num culto exagerado do catolicismo, mas nas mãos certas se transformou em um filme que é, acima de tudo, sobre fé. Mesmo assim, a Bernadette idealizada pelos roteiristas precisava de uma atriz moderada e delicada, pois é claro ver que, mesmo com Gladys Cooper, Vicent Price, Charles Bickford e Lee J. Cobb, o filme só consegue ser transparente e inspirador, porque Jones fez todas as escolhas certas possíveis. 

Eu já vi por volta de 10 filmes com Jennifer Jones e é fácil ver como ela é uma atriz inconstante, que consegue exagerar negativamente em uma performance, como fez em Duelo ao Sol (1946), assim como pode soar completamente apática e sem graça, como em Suplício de uma Saudade (1955), o que torna sua atuação em A Canção de Bernadette ainda mais surpreendente. A atriz parece apaixonada por sua personagem, o brilho no olhar, as lágrimas completamente naturais, o tom de voz sempre simplista e etéreo demonstram uma ligação muito forte entre a atriz e a personagem. O resultado é uma performance completamente marcante, da qual não dá para se ficar indiferente. Posso dizer que Jones conseguiu cativar a ateus e cristões, transformando um filme problemático, tanto por algumas atuações quanto por suas próprias intenções, em um filme honesto e apreciável durante as suas quase três horas de duração.

Meu momento favorito no filme é o embate entre Bernadette e a irmã Maria Tereza, que sempre maltratou e invejou Bernadette. Jennifer Jones e Gladys Copper dão um show de atuação. O ódio contido no olhar e na voz da irmã má, sendo ofuscado pelo brilho nos olhos da pura Bernadette é acachapante. Eu realmente não sei como essa cena não se tornou um ícone da atuação, ela é fora do sério. Sem contar toda a sequência final que emociona e convence. Jennifer Jones deu uma das melhores atuações oscarizadas da história, mas é pouco reconhecida por isso, o que é uma grande pena.




Menções Honrosas: Ainda não vi nenhuma atuação de Jones a nível de A Canção de Bernadette, mas gosto de suas performances em Desde que Partiste (1944) e em Coração Indômito (1950).

Próxima Avaliada: Ingrid Bergman.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

3#

  "Gosto do meu visual. Eu me sinto bem. E as mulheres gostam, caramba! A única coisa que faço bem é amor. As mulheres ficam loucas comigo. É verdade."


3# Jon Voight, Perdidos na Noite



Jon Voight é atualmente conhecido por ser pai de Angelina Jolie, atriz americana que superou a fama do pai se tornando uma das maiores estrelas hoolywoodianas. O que muitos não sabem é que Voight é muito mais do que apenas pai de Jolie, ele é um dos atores que ajudou a mudar o cenário dos anos 60, época em que prevaleciam alguns vícios teatrais das décadas anteriores. Seu primeiro grande papel no cinema foi justamente o seu melhor, o wannabe caubói Joe Buck do vencedor do Oscar de Melhor Filme Perdidos na Noite.

Voight começou com o pé direito em Hollywood, em um personagem complexo de um filme revolucionário que angariou prêmios para si e para ambos os atores protagonistas. John Schlesinger, o diretor, queria para Buck um ator que transparecesse ingenuidade, chegando até a recusar a oferta de Warren Beatty, já estrela na época, de viver o papel. A verdade é que Jon Voight fez de Joe Buck um personagem tão seu que é impossível imaginar qualquer outro ator, do calibre que for, no mesmo papel. Mas Voight não seria o único protagonista de Perdidos na Noite, o personagem do que se tornaria melhor amigo de Joe Buck também exigia um ator engajado. Após ser recusado por Robert Blake, Dustin Hoffman assumiu o papel, e melhor escolha não poderia ter sido feita, já que Hoffman entregou uma das melhores atuações da história do cinema. Ele e Voight correram muitos riscos em suas personificações, visto que ambas as personagens poderiam facilmente ser irritantes, já que Buck possui expressões de ingenuidade viciadas e o coxo vivido por Hoffman poderia facilmente cair na caricatura, mas que com os devidos cuidados se transformaram em personagens admiráveis e realistas. Com tantas qualidades em um único filme, é claro ver o porquê de este ser o único filme com classificação adulta a vencer o Oscar.

O filme começa com Joe Buck deixando sua cidade no Texas para ir tentar a vida como garoto de aluguel em Nova Iorque. No caminho, esbanja uma simpatia inocente com os passageiros que o acompanham no ônibus, além de não largar um radinho velho onde escuta música country e notícias de sua futura cidade. Buck possui uma ingenuidade que chega a ser comovente. Ele se imagina o tempo todo como uma cópia de John Wayne, ao mesmo tempo em que admira um pôster de Paul Newman em O Indomado. Decidido a ser um michê, ele sai a caça de clientes, e em seu primeiro programa, já é trapaceado por uma madame, que consegue inclusive lhe tirar dinheiro. Decepcionado com os rumos que sua vida está tomando em Nova Iorque, ele cai na conversa de um ladrão baixinho, sujo e coxo que lhe promete apresentar um gerenciador de garotos de aluguel. É assim que descobrimos mais e mais da vida de Buck, suas frustrações com a família, com as mulheres e com religião. Ele é confuso com toda sua vida e seus sentimentos, confuso até em relação ao seu estilo. Mas mantendo a pose de caubói marrento, ele vai atrás daquele coxo trapaceiro que lhe passou a perna, o Ratso. Ratso era um homem tão solitário que não usou Buck apenas para ganhar um trocado, mas também para ter um amigo, já que viu em sua ingenuidade uma oportunidade para receber o que ele nunca recebeu e também nunca pode dar - afeto.

A relação de Buck e Ratso é genial, uma construção de amizade que o roteiro preparou que não era esperada no começo do filme, mas que é completamente plausível. E ambos os atores, que até então pareciam mais preocupados com a criação de seus personagens, Voight na ingenuidade involuntária de Buck, e Hoffman na esperteza sem muito resultado de Ratso, passam a investir numa química difícil de criar que é a amizade entre os personagens, que guarda certo afeto, mas que mantem um distanciamento. A partir daí, tudo o que os personagens fazem, eles fazem juntos, os planos e sonhos de ambos passam a se encontrar de maneira muito interessante.

O filme ainda brinca com a provável homossexualidade de Joe Buck, que possui certo brilho no olhar com o mundo da noite, chegando até a fazer programa com homens, onde demonstra certa agressividade. Sem contar o possível amor que guarda calado de Ratso e que gera um dos finais mais comoventes da história do cinema. Perdidos na Noite é uma obra-prima, e tão é as performances de Dustin Hoffman e Jon Voight, e que por ironia do destino, perderam o Oscar para John Wayne em Bravura Indômita. Uma Pena!




Menções Honrosas: Jon Voight está igualmente genial em sua premiadíssima performance em Amargo Regresso (1978). Sem contar sua comovente parceria com o ator mirim Ricky Schroder em O Campeão (1979), e com Burt Reynolds no inesquecível Amargo Pesadelo (1972).

Próximo Avaliado: Gene Wilder.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

3#

  "Mas não demorou muito para eu perceber o meu erro. E eu não aguentava nem olhar para você. Não suportava que encostasse em mim. Achava-o tão fraco e tolo."


3# Bette Davis, Pérfida



É verdade que a melhor performance de Bette Davis é em A Malvada de 1950, e também esse é seu melhor filme. Mas o que acrescentaria eu resenhar essa performance aqui no blog se Bette Davis é primeiramente reconhecida por ela? Resolvi escolher a performance que considero sua segunda melhor e que se encaixa perfeitamente no projeto do blog, que é escolher 500 performances essenciais. Muita gente pensa instantaneamente em O Que Terá Acontecido a Baby Jane? quando se fala na segunda melhor performance de Davis. Tudo bem que ela está genial de Baby Jane, mas Regina Giddens de Pérfida me deixa muito mais vibrante sempre que revisito o filme.

Mas antes de falar de Pérfida, vamos falar de Bette Davis, tida por muitos como a melhor atriz da história. Em 1934, Bette Davis estrelou seu primeiro grande sucesso de crítica e público, Escravos do Desejo, mas não foi considerada pelo óscar daquele ano. A não indicação da nova estrela gerou um burburinho tão grande que levou, de repente, à Academia se sentiu obrigada a abrir uma exceção, e nomes não indicados puderam ser considerados, o que gerou uma indicação não oficial a Davis. Apesar de Davis ter trazido frescor e novidade a Hollywood, esse acontecimento faz pouco sentido para mim atualmente, visto que sua atuação em Escravos do Desejo é bastante datada e exagerada. No ano seguinte a atriz ganhou seu primeiro óscar por Perigosa, em que também esteve abaixo da média, onde a mesma demonstrou descontentamento, alegando que Katharine Hepburn esteve melhor em A Mulher que Soube Amar. Em 1939, Davis conquistou um óscar realmente merecido. Sua deliciosa atuação em Jezebel foi sucedida por outras brilhantes atuações até chegar 1941, e com ele Pérfida, seu melhor filme e atuação durante muito tempo.

Muitas vezes, peças de teatro tornam-se filmes, e as atrizes que as interpretavam nos palcos são consideradas para as telas, mas em outros casos, os estúdios preferem que estrelas de maior importância no mercado ocupem o papel. Em 1951 Vivien Leigh viveu Blanche DuBois em Uma Rua Chamada Pecado, papel de sucesso vivido por Jessica Tandy na Broadway. Tandy foi considerada para papel, mas os produtores preferiram uma atriz mais conhecida pelo público de cinema. Em Pérfida, aconteceu parecido, William Wyler, o diretor, optou por sua queridinha Bette Davis e o produtor não teve como argumentar, já que Tallulah Bankhead - ótima atriz que viveu Regina Giddens nos palcos, nunca tinha protagonizado um sucesso de bilheteria. Não podemos dizer que em nenhum dos casos foi injustos, já que o cinema ganhou duas das maiores performances da história. Com Pérfida, Davis dava continuidade a sua saga de vilãs, mas nenhuma personagem da atriz foi tão fria e calculista como Regina Giddens.


O filme conta a história de uma família do início do século XX tentando conquistar riqueza e liberdade. Regina orquestra um plano de abrir, junto com seus irmãos, uma fábrica de algodão, usando para isso as economias do marido, que recusa a se associar aos irmãos da mulher. O conflito entre o casal principal gera as melhores cenas do filme. Davis consegue dar uma sinceridade ímpar para sua personagem. As risadas, os carões, a expressão corporal e o tom de voz da personagem esclarecem bem seu caráter, sua personalidade e a situação em que vive. Regina nunca desce do salto, nem para dizer ao marido que sonha em vê-lo morto. E por mais fria que Regina seja, Bette consegue dar profundidade a personagem. Em cenas como em que a personagem lembra-se de sua infância, do desprezo do pai e do que a levou a casar sem amor, a atriz encontra o ponto certo para dar complexidade a Regina e fazer dela um personagem interessante de se avaliar.

Outras coisas são importantes de comentar. Primeiro é a relação de desprezo que ela estabelece com a sua cunhada, mulher de bom coração. Regina sempre debocha dela, seja com palavras ou apenas com risadas ou expressões de descontentamento. Segundo é a cena da escada em que a filha de Regina a confronta, a melhor cena do filme em que Davis e Teresa Wright dão show. E terceiro, e não menos importante, é sobre os figurinos que Bette usou para interpretar Regina. Um mais lindo do que o outro. Vestidos, luvas, chapéus e penteados inesquecíveis. Bette Davis nunca esteve tão linda. São a cereja do bolo de uma performance sensacional.




Menções Honrosas: Além de A Malvada (1950) e O Que terá Acontecido a Baby Jane? (1962), Davis também está ótima em Lágrimas Amargas (1952), Tudo Isto e o Céu Também (1940), Jezebel (1938) e A Estranha Passageira (1942).

Próxima Avaliada: Jennifer Jones.

2#

 "Eu sei o que vou fazer amanhã, depois, e no próximo ano. Vou sacudir a poeira do corpo e vou conhecer o mundo. Vou construir aeroportos e arranha-céus de 100 andares. Vou construir uma ponte de 2 km. O que você quer Mary? Quer a lua? É só dizer. Eu a laçarei e trarei até aqui."


2# James Stewart, A Felicidade Não se Compra


A Felicidade Não se Compra abre com parentes, amigos e vizinhos do personagem principal orando por ele. Logo percebemos que se trata de um homem bem quisto e especial. Para interpretar um personagem assim, ninguém mais ninguém menos do que James Stewart, querido pelo público, que inclusive o apelidou de Jimmy. Mesmo que o roteiro original tenha sido pensado primeiramente como veículo para Cary Grant (meu ator favorito), James Stewart fez um trabalho tão magistral, que é impossível pensar ou querer qualquer outro ator no papel.

Escolher uma performance de James Stewart para resenhar foi muito difícil, o ator participou de inúmeros clássicos e nunca decepciona, mas em A Felicidade não se Compra, ele reúne todas suas qualidades como ator para criar um dos personagens mais multifacetados do cinema. George Bailey é um homem essencial para a cidade onde mora. Desde criança ele ajuda todos ao seu redor sem nem pensar duas vezes, o que acabou lhe gerando surdez no ouvido esquerdo quando foi salvar seu irmão que caiu num lago congelante. Quando adulto, Bailey sonha em viajar o mundo, mas é interrompido pela morte súbita de seu pai, onde ele se vê obrigado a lutar pela empresa onde o pai trabalhava que agora corria o risco de ser demolida pelo vilão do filme, Potter, interpretado por Lionel Barrymore.

Apesar de ser um filme de Frank Capra, em determinado momento, A Felicidade não se Compra se encontra completamente depressivo, o que possibilita Jimmy a quebrar nossos corações em diversas cenas. Há três momentos no filme que emocionam o telespectador. Primeiro quando Bailey enfrenta Potter para defender seu pai. Jimmy consegue demonstrar todo amor do filho pelo pai sem ser melodramático. Segundo quando Bailey, no bar, ora pedindo ajuda a Deus. Jimmy deixa nossos corações em pedaços. Em terceiro toda a sequência em que seu anjo da guarda mostra como seria o mundo sem ele, é tocante. Mas há situações completamente engraçadas também. Como esquecer Bailey e Mary - sua futura esposa, lindamente interpretada por Donna Reed - na pista de dança até caírem na piscina? E a primeira conversa entre o casal que conta com um Jimmy completamente charmoso e divertido? Sem contar a cena do primeiro beijo entre o casal, que é uma das mais lindas que eu já vi. Pura perfeição! 


A Felicidade não se Compra poderia ser facilmente um filme maniqueísta, mas o roteiro também explora o lado obscuro de George Bailey. Após descobrir que faliu, Bailey volta para casa e destrata seus familiares, além de, em uma ligação, ofender e humilhar a professora de sua filha. Stewart consegue dar o equilíbrio exato para nos fazer crer no desapontamento do personagem. Mas todos esses momentos são necessários para que a mensagem do filme seja passada com louvor. O filme tem uma estrutura surreal que facilmente poderia cair no absurdo, mas com a direção segura de Frank Capra e atuação genial de James Stewart, se tornou um dos maiores clássicos da história do cinema, que influenciou centenas de filmes, e que inspira o telespectador a acreditar em sua própria importância. Obra-prima!




Menções Honrosas: James Stewart nunca decepcionar, nem em filmes mais desconhecidos. Mas entre suas melhores e mais reconhecidas atuações estão Um Corpo que Cai (1958), A Mulher faz O Homem (1939), Do Mundo Nada Se Leva (1939), Festim Diabólico (1948), Meu Amigo Harvey (1950), Janela Indiscreta (1954), O Homem que Sabia Demais (1956), Anatomia de um Crime (1959), O Homem que Matou o Facínora (1962), Núpcias de um Escândalo (1940) e A Loja da Esquina (1940). Sem contar os mais desconhecidos A Vida é uma Comédia (1940), Sortilégio de Amor (1958) e O Preço de um Homem (1953).

Próxima Avaliado: Jon Voight.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

2#

 "É o meu adeus ao jornalismo! Vou ser uma mulher! Vou ter bebês, cuidar deles, ver os dentes deles nascerem e, se eles olharem para um jornal, eu os mato."


2# Rosalind Russell, Jejum de Amor



Entre as grandes estrelas hollywoodianas que não receberam Oscar de Melhor Atriz estão Barbara Stanwyck, Irene Dunne, Greta Garbo, Gloria Swanson, Deborah Kerr e Rosalind Russell. A última citada, hoje poderia ter um óscar de melhor atriz coadjuvante se não tivesse recusado ser indicada numa categoria secundária por Férias de Amor de 1955. Mas nem um Oscar de coadjuvante nem o honorário que recebeu apagam o erro que foi não tê-la indicado em 1940 por Jejum de Amor, um belo exemplar de comédia screwball com Russell e Cary Grant nos melhores momentos de suas carreiras. Nenhuma das performances de Russell indicadas pela Academia se compara a esse desempenho cômico inesquecível.

Howard Hawks, grande diretor, não teve Russell como primeira escolha para a personagem principal de Jejum de Amor. Atrizes como Jean Arthur, Carole Lombard, Katharine Hepburn, Joan Crawford, Ginger Rogers, Irene Dunne, Margaret Sullavan e Claudette Colbert foram convidadas para o papel e recusaram. Russell, finalmente escolhida, e não contente com o texto de sua personagem, dizendo que Cary Grant tinha falas muito melhores, contratou um escritor por conta própria para escrever suas falas. A interferência gerou uma Hildy mais chamativa e marcante. Mas não era só isso que a personagem precisava. A maior exigência aos atores é que eles conseguissem falar o mais rápido possível, em boa dicção e de maneira realista. Russell conseguiu achar o tom para fazer isso e acabou levando o truque para boa parte de seus filmes cômicos, o que muitas vezes não deu tão certo assim. Mas Russell não esgotou o filme com o fast-talking (fala rápida), ela soube usá-lo de maneira não exagerada e performática, numa performance que consegue ser sutil e expressiva ao mesmo tempo.


A personagem de Russell se chama Hildy e, como sugere o título original, é uma mulher "pau pra toda obra", que aceita, antes de se casar, fazer sua última matéria jornalística. Matéria inclusive que foi encomendada pelo seu ex-marido e editor-chefe do jornal onde trabalha. O editor é interpretado por Cary Grant, no mais sacana dos seus personagens cômicos, e sua maior intenção ao pedir a matéria a Hildy é interferir em seu casamento. E logo na primeira cena do filme percebemos a ligação forte que há entre o ex-casal. Russell inclusive foi capaz de transparecer a paixão de Hildy pelo ex-marido em diversas cenas, inclusive em cenas de telefone. Grant, meu ator favorito, com seu charme usual também soube complementar a química pré-estabelecida por Russell. A atriz também conseguiu demonstrar a relação morna que Hildy vive com o atual noivo, interpretado por Ralph Bellamy, o que fortaleceu a torcida pelo casal de jornalistas.

Como em toda boa comédia screwball, os acontecimentos vão sobrepondo-se uns aos outros, assim como a fala dos personagens, e coisas inimagináveis acontecem em apenas um dia. Jejum de Amor, logo no início anuncia: "Tudo aconteceu na 'Idade das Pedras' do jornalismo quando 'conseguir aquela matéria' justificava qualquer atitude do repórter. Não há semelhanças com o jornalismo de hoje.", e assim dá-se largada a um dia nas vidas de jornalistas "das antigas". E apesar de ser uma caricatura, há realidade em Jejum de Amor, que é sarcástico, sem nunca deixar de ser romântico, e que tem um final que fecha com chave de ouro o único trabalho de Russell com Grant e Hawks, mas o melhor de sua carreira e talvez a minha atuação feminina cômica favorita.




Menções Honrosas: A melhor performance dramática de Russell é na tragédia grega Conflitos de Paixão (1947), mas ela entrega boas atuações também no biográfico O Sacrifício de uma Vida (1946), por qual ganhou seu primeiro globo de ouro, e no romântico A Vida é uma Comédia (1946). No humor, Russell ainda arrasa em As Mulheres (1939) e em A Mulher do Século (1958).

Próxima Avaliada: Bette Davis.

domingo, 17 de agosto de 2014

1#

"A solidão tem me perseguido por toda a minha vida, em todos os lugares, nos bares, nos carros, nas calçadas, nas lojas, em todos os lados, não consigo escapar, sou um homem solitário."


1# Robert de Niro, Taxi Driver - Motorista de Taxi



Vício Inerente, O Samurai, Touro Indomável, O Lutador, Sangue Negro, Psicopata Americano, Laranja Mecânica... Esses são alguns títulos de filmes que entram em uma subcategoria chamada pelos americanos de 'character study', ou seja, filmes que fazem estudos de personagens. Filmes em que a intenção principal é desvendar a fundo a psique de seus personagens principais. O filme mais emblemático dessa subcategoria é, com certeza, Taxi Drive - Motorista de Taxi, uma obra-prima irretocável que abriu as portas tanto para filmes do gênero quanto para que as atuações fossem, a partir daí, vistas de outra maneira. É impossível negar que Laurence Olivier, Orson Welles, George C. Scott, entre outros, já tinham feito estudos de personagens belíssimos, mas a diferença está no roteiro. Enquanto anteriormente o roteiro ficava acima de seus personagens, em Taxi Driver não, a mente do sociopata Travis Bickle é mais importante do que qualquer outra coisa no filme. Muita gente não entente o valor de Taxi Driver, ainda mais que não há um primor técnico, nem esta é a melhor direção de Martin Scorsese, mas quem se familiariza com o personagem principal da trama, não consegue não amar e não favoritar esta obra.



Robert De Niro, um ano após seu primeiro óscar por O Poderoso Chefão II, é o escolhido para viver o Motorista de Taxi. Na época, ele estava gravando 1900 de Bernardo Bertolucci, e aproveitava os intervalos das gravações para compor seu próximo personagem, principalmente na busca de um sotaque perfeito. Concluída as gravações de 1900, pouco tempo depois Taxi Driver começou a ser filmado. Com Harvey Keitel, Jodie Foster, Albert Brooks e Cybill Shepherd em papéis ricos, todos muitos simbólicos para os anos 70, De Niro teve o suporte necessário para que suas escolhas funcionassem. Travis Bickle tem 26 anos, frustrado, alienado e solitário, ele alega ter sido recentemente dispensado do Corpo de Fuzileiros Navais. Sofre de insônia, prefere trabalhar de madrugada e possui o estranho hábito de frequentar dirty movies (cinemas pornográficos). A vida de um cidadão tão desinteressante daria um filme que logo se consagraria uma obra-prima? Só assistindo para ver que sim. O ator, o diretor e o roteirista estudam seu personagem de maneira a fazer que sua rotina seja a coisa mais interessante do mundo.

No meio de tudo isso está Betsy, bela moça que trabalha no comitê eleitoral do senador fictício Palantine. Objeto de desejo de Bickle, um dia ela aceita sair com ele, mas adivinhe o lugar onde ele a leva? Sim, o cinema pornô. Completamente impedido de vê-la depois desse incidente, o motorista investe suas atenções em uma ideia perturbada de realizar um feito heroico. Depois de conhecer o drama da prostituta menor de idade Iris, Brickle encontra seu alvo. Amiga-se a ela, adquire diversos tipos de armas, corta seu cabelo no estilo moicano e vai atrás de seu ato heroico. O filme enfim entra em seu clímax, um massacre aterrorizante que poderia ser o fim do filme, mas Scorsese vai além criando um dos finais mais fascinantes de um filme. Verdade ou mentira? Subjetivo e, talvez por isso, genial.

A trilha sonora de filme erótico amplifica a aura de solidão do filme. A fotografia deixa a Nova Iorque retratada com um aspecto imundo. A atuação de De Niro, que mistura expressões de inocência com sorrisos sarcásticos levam o filme a outro nível. Taxi Driver é o estudo de um personagem contraditório, espontâneo, humano e completamente realista. E todas as escolhas de De Niro o responsabilizam pelo impacto do filme. Talvez essa seja a minha atuação masculina favorita, uma performance que divide o cinema em antes e depois. De Niro, que faz aniversário hoje, por isso homenageado, pode ter feito melhor em Touro Indomável (1980) ou em O Franco Atirador (1978), mas nenhuma de suas performances é mais essencial do que aqui, é completamente indispensável. Uma tour-de-force inesquecível.




Menções Honrosas: De Niro esteve também genial em suas oscarizadas performances em O Poderoso Chefão II (1974) e Touro Indomável (1980). Ainda entre suas melhores atuações estão O Franco Atirador (1978), Os Bons Companheiros (1990), O Rei da Comédia (1983), Caminhos Perigosos (1973), Era uma Vez na América (1984) e Brazil, O Filme (1985).

Próxima Avaliado: James Stewart.

1#

"E então uma nuvem passou à frente da lua e pairou por um instante como uma mão negra ante a face. Com isso se foi a ilusão. Olhei para uma concha desolada sem murmúrio do passado dentro daqueles muros rijos."


1# Joan Fontaine, Rebecca - A Mulher Inesquecível



Rebecca - A Mulher Inesquecível é um filme perfeito, uma obra-prima que vive na sombra dos maiores clássicos de seu diretor, Alfred Hitchcock. Mesmo com 11 indicações ao Óscar, tendo vencido o de melhor filme, este clássico sofre por ser o único de Hitchcock premiado pela Academia, quando este é hoje considerado um dos melhores realizadores da história. Frases como "É bom, mas outros filmes do Hitchcock mereciam mais um Óscar." baixam a bola dessa obra-prima que, com certeza, faz meu top três de filmes do diretor.

Em seu primeiro filme hollywoodiano, Hitchcock pontuou o que seria de praxe em sua filmografia. Humor subliminar, suspense psicológico, insinuações sexuais e o principal, uma protagonista com madeixas loiras. Para viver a primeira loira marcante de seus filmes, Joan Fontaine foi a escolhida. Enquanto sua irmã e rival, Olivia de Havilland, teve um sucesso arrebatador nos anos 30, Fontaine só foi conseguir um lugar ao sol quando a personagem sem nome de Rebecca foi por ela conquistada. Agarrando com os dentes a oportunidade, a atriz deu uma das atuações mais sensacionais dos anos 40 e a melhor de sua carreira - o que significa muito, visto que é uma das minhas atrizes favoritas. Com o reconhecimento do filme, indicações ao óscar em três as categorias de atuação. Joan Fontaine concorria com Bette Davis, Katharine Hepburn e Ginger Rogers. Tanto Hepburn quanto Davis já haviam sido premiadas, então, provavelmente, a dificuldade foi escolher entre Fontaine e Rogers. Entre a revelação do momento e a queridinha da América que abandonou os musicais e comédias e investiu em um melodrama, a Academia optou pela segunda. Obviamente, uma daquelas injustiças exaustivamente comentadas internet a fora, que no ano seguinte gerou outra grande injustiça. A Academia, perante o erro do ano anterior, entregou a estatueta de melhor atriz de 1941 para Fontaine em Suspeita, um dos filmes mais fracos de Hitchcock, com performance ainda mais fraca da atriz, que é até hoje subestimada pelo óscar que roubou de Bette Davis em Pérfida.

Mas o que leva uma atriz a entregar em um ano uma performance icônica e no seguinte uma tão apática? Podemos pensar que Fontaine nasceu para seu papel em Rebecca, que a personagem se adequava perfeitamente ao seu estilo de atuação, mas arrisco em palpitar que os bastidores de Suspeita não tenha sido dos melhores, tanto que Fontaine nunca mais voltou a trabalhar com Hitchcock, nem com Cary Grant. Provando que os bastidores é influência monstra em uma performance, o mesmo aconteceu em Rebecca. Laurence Olivier fez forte campanha para que sua mulher, Vivien Leigh, ganhasse o papel, como isso não aconteceu, a relação que ele estabeleceu com Joan Fontaine foi hostil, fazendo a atriz se sentir retraída e deslocada, duas das principais características da personagem. O que também ajudou na construção do personagem de Olivier, um homem que tem dificuldade de demonstrar seus sentimentos. Enquanto Vivien Leigh, sua esposa, gravava A Ponte de Waterloo com Robert Taylor, o ator travava sua performance contrariada em Rebecca, o que resultou perfeição na criação de um anti-herói incomum para a época, que nos divide completamente. E, assim como ele, Fontaine também tem um histórico que gera curiosidade. A atriz era preterida por sua mãe na vida real e dizia não se lembrar de algum dia ter recebido carinho de sua irmã, Olivia de Havilland. Assim, o ambiente, o histórico familiar, as relações conjugais e os bastidores influenciaram na composição dos personagens de Rebecca - A Mulher Inesquecível.

O filme abre com a voz de Joan Fontaine firme e com boa dicção, narrando o sonho que teve, enquanto a câmera percorre os caminhos tortuosos que levam a mansão Manderlay, onde a história se desenvolveria. Com um texto belíssimo, numa voz marcante, até tomamos um susto quando a narradora dá as caras, com uma voz fraca, um rosto tímido e uma postura corporal desengonçada. E é assim, desde o começo que a personagem sem nome demonstra ser, uma pessoa submissa. Dama de companhia de uma ricaça arrogante, a personagem aparenta não saber que rumos tomar na vida, até conhecer o Sr. de Winter (Laurence Olivier). Em sua genialidade, Hitchcock consegue nos fazer crer na relação dos dois em pouquíssimo tempo, com uma edição que mistura cenas de dança, passeios de carro e conversas à mesa, o romance daquelas duas criaturas solitárias encanta em pouco tempo. Em menos de meia hora, o pedido de casamento já é feito e, casados, os dois regressam a Manderlay, a megalomaníaca mansão do Sr. de Winter. Submissa como empregada, a nova Sra. de Winter agora também se tornara uma patroa submissa. Assombrada pela imagem apavorante da Sra. Danvers (Judith Anderson, em atuação sublime), governanta da casa, a personagem triplica sua solidão, ainda com um marido que desbrava sentimentos contraditórios, o encontro com um caseiro de figura singular e o primo sarcástico da antiga Sra. de Winter, todos deixando claro quanto Rebecca foi uma mulher inesquecível.

Pressionada, pisando em ovos, sem amigos e em um lugar desconhecido, a nova Sra. de Winter só consegue mudar sua situação quando o filme dá uma reviravolta. Explicando a voz firme da narração off que abre o filme, a personagem vai ganhando corpo, sua relação com o marido melhora, sua postura diante os empregados é mais autoritária e sua vontade de consertar o que perturba a todos em Manderlay se torna latente. E mesmo quando o filme se torna um drama de tribunal, dando espaço para George Sanders dar uma das melhores atuações coadjuvantes da história, a presença de Fontaine se sobrepõe a todo o filme. Muita perfeição para se verdade, não é? Sim! Quase todo filme que soa perfeito demais, tem um desfecho decepcionante, mas não é o caso de Rebecca, que tem um final genial, brilhantemente filmado e completamente incomum para a época, mas que justifica todo o filme e o torna um dos melhores da história com quatro das melhores atuações que já vi. Obra-prima do mais alto nível.




Menções Honrosas: Fontaine está maravilhosa em Isto, Acima de Tudo (1942), seria uma melhor vencedora do óscar do que Greer Garson por Mrs. Miniver. Em De Amor Também Se Morre (1943), sua última indicação ao óscar, ela interpreta uma adolescente e convence imensamente. Em Carta de uma Desconhecida (1948), ela tem um dos seus papéis mais desafiadores e se sai muitíssimo bem.

Próxima Avaliada: Rosalind Russell.